segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Conto de uma gaivota triste..


Quando eu era menina, me encantei por uma linda gaivota...
Admirava sua ânsia de liberdade... suas asas, seus vôos...
Seu corpo que vagava pelo espaço na procura de seu lugar ao sol.
Aquela gaivota não nascera gaivota, um dia fora menino,
Mas teve a coragem de abrir suas asas e voar...
Era alegre seu vôo e me encantava a suavidade de seu bailar no céu.
Fui crescendo vendo aquela gaivota ao longe, admirando-a...
Um belo dia, decidi também eu, abrir minhas asas e me tornar uma alegre gaivota...
Voei, ah... como voei!
Vi o mar, o céu azul e busquei o melhor vôo...
Me tornei uma linda gaivota de asas brancas... amava planar por sobre o mar...
Sempre conduzida pela lembrança daquele menino-gaivota que, de longe, eu via quando menina... seguia... Feliz.
Em meus sonhos, suas belas asas me faziam companhia nos dias de difíceis vôos.
E fui assim, enfrentando as tempestades, as noites e os lugares nunca antes vistos por outra gaivota. Voava solitária, mas feliz!
A lembrança do menino-gaivota era meu guia; eu o admirava...
Um dia, num desses vôos, não entendo ainda muito bem porquê, reencontrei a gaivota dos meus encantos... estava parada em uma pedra.
Me assustei ao rever o menino-gaivota: não o reconhecia mais...
Sua plumagem, antes encantadora e alva, havia ficado cinza, em tristes tons escuros... Ele não planava mais, estava perdido na escuridão de seus dias...
Sua fisionomia cansada, revelava uma alma triste, nublada, que não sabia mais voar, nem sorrir. 
Ele não era mais um menino-gaivota, mas um homem velho que não lembrava mais de si.
Desci de meu vôo e pousei perto dele. 

 Tentei e até consegui fazer com que ele relembra-se por alguns instantes da gaivota que fora...
Falei-lhe dos vôos, da brisa do mar, do pôr-do-sol, da lua...

E aceitando seu convite,  deixei de voar, sozinha, por certo tempo, enquanto tentava curar as suas asas e devolver-lhe a luz de antes... Queria fazer com que ele voltasse a sorrir...
Acreditei no potencial da gaivota que ele fora, afinal, ele era meu encanto de menina!
Jamais poderia duvidar de sua capacidade de voar! Jamais!
Ele me pediu que o re-ensinasse  a voar, a percorrer a imensidão como antes. Eu concordei. Isso era uma honra para mim...

Ele me propôs que voassemos juntos, e eu, aceitei o desafio... 
Mesmo que para isso, tivesse que permanecer algum tempo presa ao chão, sem voar, não me importava... meu amor me guiava e nessa entrega, seria capaz de tudo!
Esperei que, quando o curasse, voaríamos  os dois pelo céu azul e pelas manhãs e noites sem fim...
Como flutuei nessa ilusão, voava sem tirar os pés do chão, voava... em meus sonhos!
Mas não percebi, o quanto ele já estava domesticado para atender, não sua ânsia de alegria mas, a seus próprios medos!
Eu não imaginava que ele não pudesse ou desistisse de voar! Não, ele não!
Enquanto eu ficava presa a terra tentando ensiná-lo novamente a voar, não imaginava que ele, por vontade própria, ainda desejasse continuar preso ao chão..
Não vi que ele não era mais uma gaivota, mas sim um pássaro adestrado, com medo...medo de voar, medo de ser livre, de ser feliz!

Não sabia que ele poderia perder a coragem ao primeiro assovio de seu amestrador, voltar a ser aquela ave sem vida, cinza, fria... e o que é pior que se viraria contra mim, sem dó, sem piedade...
Como eu poderia saber? Como?
Eu o admirava demais para acreditar que isso um dia pudesse acontecer...
Mas a vida nos ensina e, um belo dia, depois da quebra de algumas de suas promessas vãs, me vi em desencanto...
Fui expulsa da terra, enxotada, pelo menino gaivota que um dia eu admirei... Tudo porquê? Pelo medo de voar! Sim, medo de voar!
No primeiro assovio de seu amestrador, meu menino gaivota, voluntariamente, voltou para a gaiola e ordenou que eu me fosse...
Não sem antes ferir minhas asas e meu coração!
Ainda lembro de uma ultima frase sua antes de voltar a ser aquele homem cinza preso na gaiola: - voar... quem sabe um dia, ou, nunca mais!
Eu perdi a cabeça, pois era uma loucura aquilo tudo, um pesadelo!

Mas nada pude fazer, não se pode constranger os outros a voar...

Enquanto eu me afastava com o coração dilacerado e alma dolorida, ele me olhava compassivo, sem sentimentos, distante, frio, gélido... ainda certo de sua escolha...
É, ele, para não ver sua própria fraqueza, me culpava por tê-lo feito voltar a sonhar... a querer voar! Era minha culpa sua falta de coragem, minha culpa suas dificuldades,  sua torpeza, sua crueldade, tudo minha culpa!
Sua cupidez, seu orgulho ferido, seu egoísmo, sua frieza, tudo culpa minha... afinal, eu escolhera estar ali, eu escolhera tentar lhe ensinar a voar... eu falara mal de seu amestrador... eu o queria livre!
Desilusão... não se pode ser livre senão quando se quer!
Não, ele não era a gaivota que eu tanto admirei... não era!
Não o reconheci, nunca mais o reconhecerei. Talvez nunca o tenha conhecido... foi um sonho, talvez?
Em meus vôos eu levei na lembrança uma imagem que não era real, agora eu via... não existia, nunca existiu!?
Decepção!
Mas como tudo serve de lição, aprendi essa, de forma muito dolorosa...

Voar não é para todos... é preciso abrir as asas sem medo, ousar enfrentar as adversidades da vida sem esmorecer, saber onde se quer chegar e ter a consciência leve, tranquila... não se deixar manipular...
Não se pode voar carregando culpas.
A liberdade só acolhe aqueles que não se deixam prender pelas amarras do mundo, que não se deixam dominar pelos caprichos alheios, que sabem enfrentar a vida e demonstrar todos os dias seu valor!
Voar é para quem sabe valorizar as asas que tem!
Não tive alternativa, embora com a alma dilacerada... abri novamente minhas asas brancas...

Voltei a voar, solitariamente, mas dessa vez com o coração dolorido, triste em ver ao longe meu menino-gaivota, agora velho e sem asas, me vendo partir, dentro de sua gaiola dourada... por sua própria escolha!
Voei, para a imensidão... não sei em que paragens vou descansar... mas as paisagens do caminho... com toda a certeza, só quem ousa  abrir as asas e voar poderá ter o privilégio de vê-las!


AMW - Fênix!

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