O mundo está ao contrário? ninguém reparou? Tudo na vida é uma questão de percepção... E me permitam tentar refletir sobre a realidade que buscamos representar através de elegorias, simbologias carnavalizadas, como diria Warat... O mundo está ao contrário... Em que ângulo? Ou somos nós que estamos ao contrário? Visões distorcidas de um eu que nega o outro e o direito do outro, ser ele mesmo... Somos e existimos enquanto sujeitos na troca com outro sujeito, Que nos atravessa, e nesse encontro, não somos mais os mesmos, nunca mais... Mas nossas visões e percepções distorcidas, míupes, não nos permitem refletir a realidade... Verdade é um conjunto de representações carnavalizadas, repletas de alegorias que tentam explicar o que ainda não compreendemos. Então passamos a representar... Isso não é o que é, mas aquilo que eu digo (ou penso) que significa... E prometemos, trocamos, juramos simbolos com pesos e medidas diferentes... Conforme a carga de subjetividades e de encontros de cada sujeito... Eu te amo, tu me amas? Amo! Mesmo um sim ou uma jura, não valem a mesma coisa, representam visões diversas, pelo menos duplices, sobre o amor... Pedro, tu me amas? Amo! mas antes do cantar do galo Pedro negou-o por três vezes... mas Pedro o amava, como pode então negá-lo??? Amor, amizade, direito, dignidade, famíla, justiça... valores com alta carga de subjetividade... O meu amor não é o teu amor... enquanto simbolos, representam valores diferentes... Mas eu quero que tu me ames, em que medida? Nem mesmo sei... A visão do eu e do outro também não são as mesmas... Não amamos o outro, mas a representação que fizemos dele... Daí negarmos o direito do outro ser ele mesmo... E quando ele insiste em ser o que ele acredita ser ele mesmo, não o amamos mais! Nos iludimos e desiludimos com tanta facilidade... Porque para nós, também os valores com que compomos a representação do amor tem peso, relativo... O que eu amo?? Você algum dia me amou?? Eu me amo??? Quem sou eu?? Quem realmente eu sou?? Só me descubro na troca com o outro, mas para trocar, preciso vestir uma mascara para que este outro também me aceite... Logo, não sei quem sou, muito menos quem o outro é. Que personagem eu sou??? Eu sou ou estou assim??? O que busco? Já amei?? O que é real??? O que é irreal???? Real e realidade, lá vem Lacan... Somos a medida de todas as coisas... E não conhecemos nossa própria medida... O mundo está ao contrário e ninguém reparou? Ou sou eu que fui colacada de cabeça pra baixo? Ou ainda, me coloquei? De certo, a madrugada serve para isso... propiciar devaneios filosóficos que beiram uma confissão lunática! Filósofos e loucos estão certos... então me permitam ser só(crática): De tudo, só sei, que nada sei!!!
Quando eu era menina, me encantei por uma linda gaivota...
Admirava sua ânsia de liberdade... suas asas, seus vôos...
Seu corpo que vagava pelo espaço na procura de seu lugar ao sol.
Aquela gaivota não nascera gaivota, um dia fora menino,
Mas teve a coragem de abrir suas asas e voar...
Era alegre seu vôo e me encantava a suavidade de seu bailar no céu.
Fui crescendo vendo aquela gaivota ao longe, admirando-a...
Um belo dia, decidi também eu, abrir minhas asas e me tornar uma alegre gaivota...
Voei, ah... como voei!
Vi o mar, o céu azul e busquei o melhor vôo...
Me tornei uma linda gaivota de asas brancas... amava planar por sobre o mar...
Sempre conduzida pela lembrança daquele menino-gaivota que, de longe, eu via quando menina... seguia... Feliz.
Em meus sonhos, suas belas asas me faziam companhia nos dias de difíceis vôos.
E fui assim, enfrentando as tempestades, as noites e os lugares nunca antes vistos por outra gaivota. Voava solitária, mas feliz!
A lembrança do menino-gaivota era meu guia; eu o admirava...
Um dia, num desses vôos, não entendo ainda muito bem porquê, reencontrei a gaivota dos meus encantos... estava parada em uma pedra.
Me assustei ao rever o menino-gaivota: não o reconhecia mais...
Sua plumagem, antes encantadora e alva, havia ficado cinza, em tristes tons escuros... Ele não planava mais, estava perdido na escuridão de seus dias...
Sua fisionomia cansada, revelava uma alma triste, nublada, que não sabia mais voar, nem sorrir. Ele não era mais um menino-gaivota, mas um homem velho que não lembrava mais de si.
Desci de meu vôo e pousei perto dele.
Tentei e até consegui fazer com que ele relembra-se por alguns instantes da gaivota que fora...
Falei-lhe dos vôos, da brisa do mar, do pôr-do-sol, da lua...
E aceitando seu convite, deixei de voar, sozinha, por certo tempo, enquanto tentava curar as suas asas e devolver-lhe a luz de antes... Queria fazer com que ele voltasse a sorrir...
Acreditei no potencial da gaivota que ele fora, afinal, ele era meu encanto de menina!
Jamais poderia duvidar de sua capacidade de voar! Jamais!
Ele me pediu que o re-ensinasse a voar, a percorrer a imensidão como antes. Eu concordei. Isso era uma honra para mim...
Ele me propôs que voassemos juntos, e eu, aceitei o desafio...
Mesmo que para isso, tivesse que permanecer algum tempo presa ao chão, sem voar, não me importava... meu amor me guiava e nessa entrega, seria capaz de tudo!
Esperei que, quando o curasse, voaríamos os dois pelo céu azul e pelas manhãs e noites sem fim...
Como flutuei nessa ilusão, voava sem tirar os pés do chão, voava... em meus sonhos!
Mas não percebi, o quanto ele já estava domesticado para atender, não sua ânsia de alegria mas, a seus próprios medos!
Eu não imaginava que ele não pudesse ou desistisse de voar! Não, ele não!
Enquanto eu ficava presa a terra tentando ensiná-lo novamente a voar, não imaginava que ele, por vontade própria, ainda desejasse continuar preso ao chão..
Não vi que ele não era mais uma gaivota, mas sim um pássaro adestrado, com medo...medo de voar, medo de ser livre, de ser feliz!
Não sabia que ele poderia perder a coragem ao primeiro assovio de seu amestrador, voltar a ser aquela ave sem vida, cinza, fria... e o que é pior que se viraria contra mim, sem dó, sem piedade...
Como eu poderia saber? Como?
Eu o admirava demais para acreditar que isso um dia pudesse acontecer...
Mas a vida nos ensina e, um belo dia, depois da quebra de algumas de suas promessas vãs, me vi em desencanto...
Fui expulsa da terra, enxotada, pelo menino gaivota que um dia eu admirei... Tudo porquê? Pelo medo de voar! Sim, medo de voar!
No primeiro assovio de seu amestrador, meu menino gaivota, voluntariamente, voltou para a gaiola e ordenou que eu me fosse...
Não sem antes ferir minhas asas e meu coração!
Ainda lembro de uma ultima frase sua antes de voltar a ser aquele homem cinza preso na gaiola: - voar... quem sabe um dia, ou, nunca mais! Eu perdi a cabeça, pois era uma loucura aquilo tudo, um pesadelo!
Mas nada pude fazer, não se pode constranger os outros a voar...
Enquanto eu me afastava com o coração dilacerado e alma dolorida, ele me olhava compassivo, sem sentimentos, distante, frio, gélido... ainda certo de sua escolha...
É, ele, para não ver sua própria fraqueza, me culpava por tê-lo feito voltar a sonhar... a querer voar! Era minha culpa sua falta de coragem, minha culpa suas dificuldades, sua torpeza, sua crueldade, tudo minha culpa!
Sua cupidez, seu orgulho ferido, seu egoísmo, sua frieza, tudo culpa minha... afinal, eu escolhera estar ali, eu escolhera tentar lhe ensinar a voar... eu falara mal de seu amestrador... eu o queria livre!
Desilusão... não se pode ser livre senão quando se quer! Não, ele não era a gaivota que eu tanto admirei... não era!
Não o reconheci, nunca mais o reconhecerei. Talvez nunca o tenha conhecido... foi um sonho, talvez?
Em meus vôos eu levei na lembrança uma imagem que não era real, agora eu via... não existia, nunca existiu!? Decepção! Mas como tudo serve de lição, aprendi essa, de forma muito dolorosa...
Voar não é para todos... é preciso abrir as asas sem medo, ousar enfrentar as adversidades da vida sem esmorecer, saber onde se quer chegar e ter a consciência leve, tranquila... não se deixar manipular...
Não se pode voar carregando culpas. A liberdade só acolhe aqueles que não se deixam prender pelas amarras do mundo, que não se deixam dominar pelos caprichos alheios, que sabem enfrentar a vida e demonstrar todos os dias seu valor!
Voar é para quem sabe valorizar as asas que tem!
Não tive alternativa, embora com a alma dilacerada... abri novamente minhas asas brancas...
Voltei a voar, solitariamente, mas dessa vez com o coração dolorido, triste em ver ao longe meu menino-gaivota, agora velho e sem asas, me vendo partir, dentro de sua gaiola dourada... por sua própria escolha!
Voei, para a imensidão... não sei em que paragens vou descansar... mas as paisagens do caminho... com toda a certeza, só quem ousa abrir as asas e voar poderá ter o privilégio de vê-las!
Quando a vida se resume a um amontoado de caixas de papelão Empilhadas em um canto qualquer Algo há de errado.
De certo, dessa vida nada se leva senão a vida que se viveu A plenitude do vôo e os tombos não menos doloridos A alegria de viver...
De tudo que fomos, o que sobrou no final Foi o mapa da estrada que percorri e algumas caixas... caixas de mudança, será?
Do pó, ao pó... Depois do furacão que me cercou, me deixou sem chão e sem poder voar, Em uma queda livre sem fim...
Algo estranho aconteceu...
Tive a sensação de que ao cair, virei restos, Lembranças em velhas caixas empoeiradas, transportadas de qualquer jeito, Amontoadas em algum lugar.
Ainda não tive coragem de abri-las, São como feridas, chagas na alma, que ainda não consigo suportar. Melhor deixá-las lá, cicatrizando, esquecidas em um canto qualquer...
Caixas de velhos livros, fotos, roupas e coisas (hoje) sem valor... Apenas caixas... caixas de mudança...
E o mais interessante é que eu não me resumo a elas, Existo apesar delas e, talvez, nem as leve para onde eu for...
Mas dói ver tudo que lutei, tudo que arrisquei, tudo que eu fiz Se resumir, hoje, a algumas caixas empoeiradas Que alguém juntou, sem qualquer piedade, Embrulhou e despachou para qualquer lugar Para limpar o espaço que antes, dizia também ser meu!
Difícil acreditar na justiça humana depois disso... Prefiro algo divino, alado... Meu paradoxo é que, Aonde vou, não poderei levar nem essas caixas de mudança... Elas não me permitem, voar...
E deve haver mais na vida que amontoar caixas e mais caixas de coisas inúteis Deve haver um céu maior... Mas esse vôo é solitário... eu sabia disso...será? Mas acreditei numa ilusão: Eu pensei ter encontrado outra gaivota como eu... Com ousadia e coragem de voar alto, Além do que podia pensar possível...
Mas foi um sonho que se transformou em pesadelo Que está empacotado na caixa de lembranças daquele canto. Lá, jazem fotos, recados, falsas promessas, flores secas, murchas e esquecidas... uma caixa de nadas que um dia significaram tudo... Junto com algumas dores, um vazio no coração e sonhos despedaçados...
Para que guardar tudo isso? Preciso alçar vôo, preciso ir além e apesar dessa desilusão, só assim, terei paz... E, talvez, serei feliz... Mas o peso das caixas de mudança, não me permite voar...
E fico aqui, sofrendo, presa ao solo... Vendo as caixas empoeiradas empilhadas num canto qualquer... como se me aprisionassem ao passado, Melhor libertar minhas asas então! Voar... mudar, Não mais gaivota solitária, mas uma Fênix! E deixar todas as caixas, inúteis... Para trás.
deixo fluir em palavras o que estou sentindo As palavras se derramam...
sem que eu as contenha E vão formando, conjugadas
algo que nem eu mesma sei...
É como se eu estivesse tentando explicar a mim mesma o que estou sentindo agora. E nesse construir, nesse descrever, nesse desvelar vai nascendo hoje, uma poesia triste... Como se eu materializasse as lágrimas da minha alma em cada frase que escrevo.
Isso é um dom... conseguir transcrever o que se sente. Mas queria escrever algo mais belo sem tanto sal, Mais doce... iluminado, E não esses matizes cinza que estão sendo pincelados hoje... em versos sem sentido.
Assim, vou conjugando meu eu
na busca do meu inconsciente
Que transborda sem que eu o consiga, conter...
em um constante reconstruir poético
Ou seria isso, apenas devaneios loucos?
Não sei...
Mas o amanhã não tarda a chegar
e outros dias irão surgir
Quem sabe mais cor-de-rosa...
onde as palavras que verto terão cores, aromas, luzes.
Eramos dois, tão unidos que parecíamos um só... Numa sintonia que só existe nos sonhos... Em um tempo distante... Personagens de uma história com tudo para ter um final feliz...
De repente, rasgamos o escript. Perdemos o roteiro... Amassamos as promessas escritas no papel rascunho... E toda proposta inicial foi jogada no lixo... Onde foi que a trama se perdeu? Não sei, ainda não entendo...
Ao fundo, nossas cabeças baixas, A vergonha, a tristeza de uma noite que não amanheceu. Tudo que fomos, virou pó! Breu... LIXO! JOGADO FORA!
O que fazer de todo esse lixo? Refletindo sobre o que aconteceu... Uma idéia surgiu De maneira quase, (eco)lógica... Que tal reciclar?!
Recicla-se! Sim, recicla-se tudo o que foi posto no lixo! Recicla-se um coração, um texto, uma história, Aquilo que se jogou fora...
Reciclam-se as mágoas, as dores, as promessas não cumpridas. Reciclam-se palavras, momentos infelizes, noites mal dormidas... E as alegrias, tantas, que esquecemos, Recicla-se a vida que perdemos...
Reciclar! Quem sabe, assim, Algo novo surja do lixo onde, por desamor, Jogamos fora nossos sonhos.